Colonização
A Amazônia vem enfrentando colonização, extração e o apagamento da cultura indígena há mais de 300 anos. A região começou a ser infiltrada por missionários, exploradores e empresários europeus no século XVI. Essas explorações iniciais criaram legados e mitos duradouros sobre a região, glorificando-a como um espaço “rico (em metais, remédios, materiais), marginal, distante, perigoso e, por vezes, vazio (como resultado da despovoação), atraente para a apropriação e mobilização de saberes” (The Amazon We Want, 2021). Foi o “Outro” mais glorificado do mundo — um lugar de lendas fantásticas e magia que aumentou o desejo europeu de explorá-lo.
A colonização seguiu o mesmo padrão de muitas outras regiões. Em busca de “Deus, Ouro e Glória”, como se costuma dizer, os colonizadores invadiram aldeias, levaram crianças para escolas missionárias para assimilação, forçaram homens ao trabalho e destruíram a vida tal como era conhecida pelos povos indígenas.
Atividade
Embora não trate especificamente da Amazônia e se passe na Bolívia contemporânea, esta cena de Também a Chuvamostra até onde a cristianização foi para apagar e assimilar os povos indígenas em toda a América do Sul.
Doença e extermínio
Os povos amazônicos resistiram à chegada dos colonizadores, mas o extermínio causado pelas doenças trazidas por eles tornou a resistência inútil em termos de números e armas. O extermínio dos povos indígenas — estima-se que cerca de 95% da população original tenha morrido nos primeiros 100 anos de colonização devido a doenças ocidentais (The Amazon We Want, 2021) — provocou dois processos simultâneos:
- Facilitou a colonização e assimilação dos povos indígenas amazônicos à cultura europeia. As escolas missionárias forçaram gerações inteiras a adotarem novas identidades, criando um processo de etnogênese no qual as próximas gerações cresceram com modos de ser tanto tradicionais quanto europeus/missionários. Isso gerou séculos de identidades em conflito e divisão entre os povos indígenas sobre como perceber e praticar suas próprias identidades.
- “O declínio demográfico contribuiu para perpetuar o mito do ‘grande vazio amazônico’” (The Amazon We Want, 2021). Semelhante ao conceito de terra nullius ou ao destino manifesto, esse mito de que a Amazônia estava vazia e esperando para ser “usada” aumentou o desejo de explorá-la e extrair seus recursos. Em 1957, 87 grupos étnicos já haviam sido extintos somente no Brasil (The Amazon We Want, 2021).
Com o início da colonização, “os missionários tornaram-se peças-chave para a circulação de conhecimento e controle territorial, sendo protagonistas na abertura de rotas fluviais, no mapeamento e nas observações etnográficas e de história natural. Foram seguidos por naturalistas motivados pela curiosidade e interesses econômicos, financiados direta ou indiretamente pela fome de territórios e matérias-primas ultramarinas. Essas visões fantásticas de um lugar repleto de riquezas e saberes sobre o mundo material e cultural ainda estão muito vivas” (The Amazon We Want, 2021).
Atividade
A obsessão em explorar e capturar a magia da Amazônia fascina o Ocidente há séculos. O filme Jungle Cruise, da Disney, baseado em uma lenda da Amazônia, mostra como a mídia ocidental continua a influenciar nossa imaginação e percepção da região.
Reflita – com um parceiro ou em seu diário
- Quais equívocos sobre a Amazônia estão presentes no trailer de Jungle Cruise? Como isso perpetua a discriminação ou apatia sobre o que acontece na região?
- Como essa breve história da colonização da Amazônia faz você se sentir?
Resistência e destruição implacável
À medida que as missões ocupavam a “floresta vazia”, a indústria veio logo atrás. “A usurpação de terras e a extração de recursos naturais foram acompanhadas pela subjugação e exploração do trabalho indígena” (The Amazon We Want, 2021). O relatório também afirma que “os povos indígenas responderam às diferentes formas de dominação colonial através de várias formas de adaptação, resistência e revolta. Suas estratégias incluíam a busca por refúgio em regiões interiores, ataques a expedições e barcos dos colonizadores, destruição de centros urbanos coloniais e a formação de confederações entre diferentes povos indígenas que conseguiram superar seus conflitos interétnicos para realizar ações unificadas. Em muitas ocasiões, conseguiram manter espaços autônomos livres da dominação colonial por períodos relativamente longos, em alguns casos até a primeira metade do século XX” (2021). Raoni, cacique do povo Kayapó, só teve contato com um kuben (pessoa branca) na década de 1950, quando tinha cerca de 20 anos (Raoni, 2017). Esse caso mostra que, embora a colonização total da Amazônia tenha ocorrido há menos de 80 anos, a destruição é incessante. Isso demonstra uma contradição: se o desenvolvimento já destruiu tanto em apenas 70-100 anos de presença na região, por que permitir que continue?
Atividade
Assista a O Abraço da Serpente (2015). O filme leva os espectadores a um período de colonização da Amazônia em que exploradores viajam com o último membro de uma tribo indígena para encontrar uma planta sagrada. A obra retrata a natureza brutal e grotesca da colonização — desde a extração violenta da borracha até as escolas missionárias de assimilação — e mostra a beleza das culturas e filosofias amazônicas. Ao assistir, anote o que mais te marcou e como o filme te fez sentir.
Reflexão – escreva ou discuta com alguém
- Como você se sentiu assistindo ao filme? Quais partes despertaram emoções profundas e por quê?
- Você conhecia os métodos violentos e exploradores da colonização europeia? Quais histórias conhece e de que partes do mundo?
Metamorfose
Desde a colonização inicial, o colonialismo não desapareceu — apenas mudou de forma. A “descolonização” da Europa e a criação de Estados independentes na América do Sul dividiram a Amazônia de modo que a região nunca mais poderá ser protegida como um todo. Devido à dependência dos Estados em relação ao capitalismo, indústrias neocoloniais (empresas multinacionais que utilizam táticas coloniais como mão de obra barata e exploração) substituíram os colonizadores saqueadores por uma iniciativa ainda mais estratégica e insidiosa para sugar a vida da Amazônia em nome do lucro.
Estados-nação trabalham junto com essas indústrias para extrair dinheiro das comunidades em nome da pobreza e da elevação do PIB aos níveis de países ricos que se construíram através da exploração e da violência. A indústria extrai riquezas do solo, alterando permanentemente o verdadeiro valor da terra, enquanto os Estados tentam minimizar os protestos com vigilância e burocracia. A polícia militar terceirizada encerra o ciclo fazendo ativistas e líderes desaparecem.
Atividade
Assista ao vídeo abaixo e leia o artigo para entender melhor esses padrões:
NBC: Mineração na Amazônia para energia na Califórnia
https://www.youtube.com/watch?v=lDhed_Sea38
Defensores Ambientais Assassinados
Global Witness – Quase 2.000 defensores mortos entre 2012 e 2022
Reflexão
- Ao ler “Metamorfose” antes de ver o vídeo e ler o artigo, o que você pensou? Já conhecia esses sistemas sutis de extração? Isso te pareceu uma conspiração?
- Como você se sentiu após assistir e ler? Explique como esses sistemas funcionam na sua mente. Você pode escrever ou desenhar.
- Angeline Robertson, pesquisadora da Stand.Earth, diz: “Eles estão tentando usar o veneno como a cura.” O que você acha dessa afirmação?
No vídeo, Pedro Bormes afirma: “O objetivo do Equador é extrair o máximo de petróleo possível. A ironia é que o dinheiro nem fica no país. As empresas que lucram são as petroleiras chinesas.” O vídeo também aponta que dois terços do petróleo da Amazônia vão para os EUA, o maior consumidor. Robertson destaca como a economia do petróleo retira dinheiro dos países de origem, deixando-os mais endividados.
- O que isso te ensina sobre a interligação entre extração, globalização e capitalismo? Dedique 5 a 10 minutos para escrever ou desenhar como você visualiza esses sistemas.
- Os mesmos sistemas que você viu em O Abraço da Serpente ainda existem hoje. Eles alimentam o status quo do Norte Global. O que podemos e devemos fazer?
Atividade
Leia as páginas 326–356 de A Queda do Céu, de Davi Yanomami.
Leia aqui
Discussão e Reflexão
- O que achou da visão de Yanomami? Já pensou nos brancos dessa forma?
- Se tivesse que nomear a cultura que Davi descreve, qual nome daria?
- Essa cultura está ligada apenas a pessoas brancas? Por que sim ou por que não?
Davi escreve sobre cidades repletas de mercadorias, onde os pobres são ignorados e os brancos vivem obcecados por produção. Ele denuncia um sistema que gera exclusão, tristeza e esgotamento constante.
- Como essa perspectiva sobre pobreza e desigualdade ressoa com você? Já refletiu sobre a pobreza dessa forma?
- Como o modo de vida hiperprodutivo afeta nossa saúde mental e física individual e coletiva?
- Como isso permite que a extração e a exploração continuem?
Atividade
Ajuste um cronômetro para 10 minutos.
Imagine que você é um alienígena que veio à Terra para observar a cultura humana. Ao entrar na atmosfera, você vê vastas regiões verdes e azuis, mas também grandes áreas cinzas. Você se camufla entre os humanos por um ano para aprender. O que você descobre? Escreva um resumo.
Atividade
Assista a estes dois vídeos de The Good Place. Eles refletem sobre como fazer boas ações se tornou difícil no mundo atual.
Reflexão
- Como esses vídeos se relacionam com o que você escreveu como alienígena? E com a visão de Davi Yanomami?
- Por que é tão difícil tomar boas decisões atualmente?
- O que pode ser feito para mudar essa situação?
Observe este gráfico e reflita
- Como esse gráfico se compara ao que você aprendeu neste módulo?
- Onde se encaixam diferentes culturas nele? Onde estão os povos indígenas? O Ocidente? O Oriente?
- Que emoções isso desperta em você? O que elas estão dizendo? Sinta-as.
Conclusão
Este módulo é difícil. Ele não busca gerar conforto nem inocência. Ele nos confronta diretamente com o fato de que fazemos parte do problema. Ensinar sobre mudança climática ou colonialismo sem reconhecer isso seria uma falha. Não somos espectadores — estamos dentro do sistema.
Mas fazer parte do problema não significa que não possamos contribuir para a mudança. Ainda temos poder: nossa imaginação, nossos valores, nossas ações. Podemos imaginar e construir mundos melhores. No entanto, como escreve Vanessa Andreotti:
“Se tentarmos imaginar o futuro a partir de onde estamos, provavelmente estaremos limitados pelos referenciais prejudiciais e insustentáveis que moldam o presente” (Toward Braiding, 2021).
Desaprender esses referenciais leva anos, talvez uma vida inteira. Por isso, devemos apoiar os líderes indígenas que já veem o mundo de forma radicalmente diferente. Eles estão mostrando o caminho. Precisamos segui-los.
Bibliografia
- Bollaín, Icíar. Também a Chuva (Even the Rain). Wild Bunch, 2010.
- Collet-Serra, Jauma. Jungle Cruise. Walt Disney Studios Motion Pictures, 2021.
- Cacique Raoni. Raoni.com, 2017. http://raoni.com/biography.php
- Global Witness. Quase 2.000 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados entre 2012 e 2022 por proteger o planeta. Global Witness, 2023.
- Guerra, Ciro. O Abraço da Serpente (Embrace of the Serpent). Diaphana Distribution, 2016.
- Kopenawa Yanomami, Davi. A Queda do Céu: Palavras de um xamã Yanomami. The Belknap Press of Harvard University Press, 2010.
- Llamas, Tom. Realidade Bruta: A história do petróleo da Amazônia. NBC, 2021.
- Marya, Rupa. Gráfico sobre colonialismo. Instagram, 2023.
- Schur, Michael. The Good Place. NBC, 2016.
- The Amazon We Want; Painel Científico para a Amazônia. Relatório de Avaliação da Amazônia 2021: Capítulo 9, Povos da Amazônia e Colonização Europeia (séculos XVI-XVIII). Sustainable Development Solutions Network, 2021.